Como contar para o boy novo que você tem HIV
O estigma contra soropositivos e o medo da rejeição fazem com que falar sobre o status sorológico seja sempre tenso. Confira como facilitar esse momento
Toda vez que eu saio com um boy novo eu passo o encontro inteiro avaliando se ele vale a pena ver de novo. Está sendo divertido? Eu gostaria de escutar mais dessas histórias? Qual que é o trampo dele mesmo? Muitas vezes o date termina com um abraço e um dos dois arriscando chegar junto (mas sem forçar demais para não ficar sem-graça em caso de rejeição).
É claro que eu não sou o único que passa por isso. Mas para quem é soropositivo como eu, sempre há uma ansiedade extra quando o encontro vai chegando ao fim, por uma de duas razões: ou chegou-se à conclusão de que o cara não vale um segundo encontro, e agora resta descobrir o que fazer com a próxima meia hora; ou decidiu-se que ele vale um segundo encontro, e essa meia hora é gasta tentando descobrir a melhor maneira de se contar que ele está diante de um cara que vive com HIV.
Fique frio, todo mundo já passou por esse tipo de situação – seja por causa do HIV ou por outros detalhes da vida pessoal. O segredo aqui é bancar a situação. Chega uma hora na vida que não se pode mais deixar um vírus definir quem você é. Não dá pra ficar tremendo de medo na hora de falar de sua saúde para um desconhecido. Se isso acontece, é melhor trabalhar bastante isso com algum profissional, fora da vida afetiva.
Todo mundo sabe como é estar numa posição desconfortável, com medo de ser rejeitado ou julgado (ou algo pior). Mas quando se para pra pensar, na maioria das vezes estamos julgando a nós mesmos antes até do resto do mundo. Deixe isso de lado e, quem sabe, surpreenda-se. Considere o seguinte:
A pessoa vale a pena? Como ainda há muito estigma no que se refere ao HIV, muitas vezes associamos a falta de interesse com nosso status sorológico. Se ele toma chá de sumiço depois do encontro, a gente logo supõe que isso aconteceu porque somos soropositivos. De repente ele tomaria chá de sumiço de qualquer maneira, por uma outra razão: ele é um cretino. Então considere se ele é alguém que merece saber que você tem HIV. Isso pode poupar muito sofrimento com o tempo. Permita-se algum tempo para decidir se ele é alguém que você realmente quer ver de novo. Se a resposta é sim, cabe a você decidir quando dar o próximo passo. Às vezes é melhor esperar até o segundo ou terceiro encontro para conhecer melhor o caráter dele, antes de contar sobre seu status.
Se você for estiver com a carga viral indetectável, diga isso de cara. Sim, você é soropositivo, e não vai negar. Mas se sua carga viral já caiu a um nível indetectável, a chance de você transmitir HIV é zero. Isso mesmo: fazer sexo com você é fazer sexo seguro, quando se trata do vírus HIV! Então diga que está “indetectável” com orgulho. O HIV pode ser parte de sua vida, mas não define quem você é. Faça questão de informar a seu date que sua carga viral está indetectável, e isso quer dizer que o risco de pegar HIV com você não existe. Quem garante são os cientistas.
Comece falando sobre suas paixões. Sempre há um momento durante um primeiro encontro em que se fala das paixões, dos objetivos e dos sonhos. Ao invés de falar apenas sobre objetivos de carreira, experimente falar “eu sonho com o dia em que o estigma com relação ao HIV vai acabar”. Ou diga que uma de suas missões é liderar com seu próprio exemplo. Algo como “eu gosto de educar as pessoas sobre o HIV. Eu estou com a carga viral indetectável, o que significa que eu não transmito o vírus para ninguém. Nem todo mundo sabe disso!”. Essa é uma maneira de contar que tem o vírus sem exprimir vergonha nem desconforto; mais do que isso, demonstra-se entusiasmo e dedicação a uma causa. Esse tipo de atitude é super sexy. Mostra-se para o outro que ter HIV não é nenhum bicho de sete cabeças. Isso é muito atraente.
Jogue verde. Não peça desculpas por ser portador de um vírus. Lembre-se que cuidar de si mesmo vai muito além do tratamento contra o HIV. Trata-se de amar a si mesmo. Todo mundo tem medo de ser rejeitado, principalmente no começo. No final das contas, o medo é um grande covarde. É só encará-lo que ele foge. Não tenha medo de deixar a conversa cair no assunto HIV, sem contar sobre si mesmo. Avalie a reação do seu date. Se ela não for das melhores, deixe a discussão correr. Se no final das contas ele perceber que essa primeira reação não passa de preconceito e entender que não é nada demais, sinta-se à vontade para dizer “Pois é. Eu sou soropositivo e estava aqui julgando você o tempo todo”, cheio de ironia. E ria. Provavemente ele vai rir também, e assim vocês vão construir um pouco mais de confiança entre os dois.
Pergunte antes para a outra pessoa. Por que não virar a mesa e perguntar antes sobre o status sorológico da outra pessoa? Quando, depois, você contar o seu, ele vai estar menos armado. Hoje em dia, quando se fala sobre HIV, em geral isso acontece nos aplicativos de encontro. As pessoas se esquecem como é ter essa conversa ao vivo. Escutar a frase “você tem HIV?” ainda me dá um arrepio. Essa pergunta ainda é tão cheia de fantasmas. Pode soar estranho, mas falar isso antes do outro é uma boa maneira de diminuir a ansiedade. E, vai saber – de repente ele também é soropositivo.
Traduzido do artigo de David Artavia para a revista The Advocate
por Marcio Caparica
Fonte: Lado Bi
http://ladobi.uol.com.br/2017/07/como-contar-hiv
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